Início » Trio Nordestino lança álbum em homenagem a Gilberto Gil

Trio Nordestino lança álbum em homenagem a Gilberto Gil

Por Leonardo Lichote

Aos dois anos, em Ituaçu (no interior da Bahia), Gilberto Gil já dizia que queria ser “musgueiro” — como sua fala infantil se referia a quem trabalhava com música. Suas referências eram cantadores e sanfoneiros como Cinézio, artista local. Pelo rádio, vinha o maior de todos, Luiz Gonzaga. Aos dez anos, ele começou a estudar acordeom, seu primeiro instrumento. A vida é o eterno movimento em direção ao menino que fomos, e a obra de Gil — em sua relação com a música nordestina absorvida na infância — é prova disso. Ao longo de toda sua carreira, o compositor celebrou e renovou essas tradições. Fosse no baião futurista pós-Hendrix “Expresso 2222”, fosse no baião com ares de clássico “De onde vem o baião”.

“Trio Nordestino canta Gilberto Gil” (Biscoito Fino) tem, portanto, a força das ideias que parecem ter existido desde sempre. No disco, o grupo, guardião fiel da cultura do forró, aproxima a obra de Gil de suas raízes — que, quanto mais frondosa a árvore, mais se revelam nos frutos.

Para montar o repertório, o grupo selecionou entre os muitos xotes e baiões espalhados por discos de Gil, em suas diferentes fases. Ou mesmo fora de seus álbuns, como é o caso de “Abri a porta”, que abre o disco. Lançada em 1979 pelo A Cor do Som, a canção foi gravada por Gil ao lado de seu parceiro Dominguinhos em 1980, mas num disco do sanfoneiro.  Na nova interpretação, a singeleza original da composição se mantém, mas com o tempero buliçoso do trio — formado por Luiz Mário (triângulo e voz), Jonas Santana (zabumba e voz) e Tom Silva (acordeon e voz).

Tratado filosófico feito no barro do chão, “De onde vem o baião” soa como se estivesse em casa na sala de reboco do Trio Nordestino. E o arranjo acena para a produção mais recente de Gil — na introdução, a sanfona cita “Uma coisa bonitinha”, parceria do baiano com João Donato gravada em “Ok ok ok”, seu álbum de 2018. Em seguida, o grupo volta ao Gil dos primeiros anos de carreira, com a pré-tropicalista “Procissão” — relato do misticismo sertanejo que carrega a influência direta de Gonzaga e dos cantadores de Ituaçu.

“Cores vivas”, delícia menos conhecida do repertório do Gil, foi pinçada de “Luar (A gente precisa ver o luar)”, de 1981. Leveza que trafega num terreno limítrofe entre o xote e o reggae, no qual Gil se equilibrou em muitos momentos. A proximidade dos gêneros permite o diálogo sem arestas, e Gil sabe como ninguém explorar isso. O baiano costuma contar que quando apresentou a música de Bob Marley a Dominguinhos, o sanfoneiro disse: “Isso que é reggae, é? Xotezinho safado”.

A faixa seguinte, “Vamos fugir”, segue o mesmo espírito de xotezinho safado — com a diferença de que essa nasceu como reggae. A banda de maçã e a banda de reggae seguem vivas na leitura do Trio Nordestino, mas agora acompanhadas da interjeição “vixe Maria!”. “Palco” — gravada por Gil em 1981 como um funk-disco explosivo — foi outra que o grupo levou para o universo pé-de-serra.

“Refazenda” — do álbum homônimo, de 1975, no qual Gil se propunha a olhar para suas origens — se encaixa à perfeição na embocadura do Trio Nordestino. Assim como “Madalena (Entra em beco sai em beco)”, na qual o grupo estabelece uma festa de São João, guiada pelo resfolego nervoso da sanfona.

As Bahias do sertão e do litoral se encontram em “Toda menina baiana”, lançada em 1979, no disco “Realce”. O clássico ijexá bota o chapéu de couro na versão do Trio Nordestino, que inclui ainda um inesperado e sinuoso solo de baixo.

A mais rara do repertório é “Minha princesa cordel”, que teve apenas uma gravação, em 2011, para a trilha da novela “Cordel encantado” — em dueto de Gil e Roberta Sá. O garimpo valeu. A bela canção merecia ser recuperada, mais ainda pelas mãos de quem domina sua gramática pernambucana.

“Expresso 2222”, o baião que aponta para o futuro, pra depois do distante ano 2000 (a canção foi lançada em 1972), encerra com precisão a viagem do Trio Nordestino pela história de Gil. Uma viagem que, seguindo um trilho que é feito um brilho que não tem fim, nos leva a Ituaçu que não é de matéria ou qualquer coisa real. Uma Ituaçu que vem de baixo do barro do chão.

Foto: Suellem Studio

Somos o principal portal de festas juninas do Brasil. O São João na Bahia é um site privado e não possui vínculos com órgãos governamentais, apenas parcerias comerciais. 

 

Se você quer anunciar em nosso portal, envie um e-mail para contato@saojoaonabahia.com.br 

Destaques

Cidades

Todos os direitos reservados © São João na Bahia 2023 – Desenvolvido por Conecta Freela