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COLUNA FORROSOUND: Reflexão sobre Forró e Piseiro 

 

“Luiz Gonzaga cortou os sertões várias vezes. Percorreu todo o Brasil, levando o Baião. Houve mais: na França, na Alemanha, na Inglaterra, em diversos outros países, os acordes da Asa Branca se ouviram, não em nosso idioma, mas nas línguas deles, latinos e saxônicos, com efeitos surpreendentes de música eterna, de música-mensagem.

E, cá entre nós, Caetano, Gil, Gonzaguinha, Chico, Benito de Paula, Gal, Elba, muitos e muitos outras dessa bela geração, abeberados e inspirados no baião, vão criando o que talvez seja a mais autêntica manifestação musical brasileira de todos os tempos. Como foi dito há doze anos: O Baião tem força de destinação.

Que surjam outros ritmos, outras formas musicais. Em suas raízes, como forma mais autêntica e eterna, estará o baião de Humberto Teixeira, de Zé Dantas e desse pra sempre Rei: Luiz Gonzaga.” (O Sanfoneiro do Riacho da Brígida, Sinval Sá, 7ª Edição, Editora CEPE, 1986)

É 2020 e o Piseiro estoura nas redes sociais e nas plataformas de streaming, durante a pandemia. Mas muitos anos antes, nas cidades do interior da Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, o Piseiro já era conhecido como esse “novo ritmo” que Sinval Sá, biógrafo de Gonzagão, prenunciava lá em 1986. Porque sim, o piseiro é, senão um filho, eu diria um neto do forró pé de serra. Um neto cuja genética não nega, afinal, os fortes acordes da sanfona e os versos de amor funcionam como um exame de DNA que atesta o quanto o Piseiro pertence à família do forró. E Gonzagão é nosso principal ancestral musical.

Assim sendo, nós forrozeiros precisamos aprender com a luta e a história de Luiz Gonzaga, vide sua biografia autodeclarada, a acolher os gêneros musicais que pertencem a essa grande família. Desde a partida do Rei do Baião, deu-se o surgimento do forró eletrônico, depois o forró universitário (ambos gêneros que considero como “filhos do forró”), e mais recentemente os forró mixados e o piseiro, uma segunda geração, que utiliza todas as ferramentas tecnológicas usadas pelos jovens com acesso a internet, e que tem sido responsável por trazer, novamente, Luiz Gonzaga para os Tops50 da vida. Netos que recontam, com carinho e respeito, a trajetória de seus avós, conectando a história de mais de 70 anos de Baião, Xote e Forró com os beats eletrônicos que levantam a poeira nas festas de vaquejada.

Outro dia, assistindo TV aberta, me deparei com um moço novo cantando Gonzagão em rede nacional. Este mesmo moço também gravou um DVD em Recife, e a primeira música foi cantada vestindo um gibão de couro, com projeções de cactos e uma charmosa casinha de taipa no cenário. É a identidade dele, João Gomes não estava performando uma raiz nordestina do qual ele só ouviu falar. Há quantos anos não víamos fenômeno semelhante? Acho que desde o auge da Falamansa (uma banda que possui imenso valor para o forró também, mas que é urbana, do sudeste, e se fez a partir desse cenário), não tínhamos o forró e a estética nordestina em tanta evidência, sem caricaturas, presente na TV aberta, participando dos maiores programas de entretenimento, sendo pauta nos veículos de comunicação com recordes e uma visibilidade altamente positiva.

E hoje, com um plus: É o piseiro um tipo de forró feito, cantado, composto e admirado pelos nordestinos! A representatividade aqui é evidente, as matrizes do forró, ritmo que é Patrimônio Imaterial, estão no Piseiro pra todo mundo ouvir. Somos nós contando a nossa história, são os nossos sotaques, as nossas gírias, falando da vida do jeitinho nordestino, juntando a vaquejada com a modernidade tecnológica dos smartphones e dos virais das redes sociais. É a visibilidade que o Nordeste e sua musicalidade viva merecem, fazendo frente ao silenciamento que o sertanejo sudestino sempre promoveu nas últimas décadas dentro da indústria musical.

Mas aqui, questiono aos forrozeiros: Porque atacar o piseiro, e muitos de seus excelentes artistas, ao invés de acolher, e principalmente estabelecer as conexões que Gonzagão já fazia há anos atrás? Porque não fazer pontes, juntar os excelentes cantores de forró que temos, muitos destes já se aposentando, para fortalecer o que já existe? Poderia aqui listar um sem fim de nomes de artistas que não eram forrozeiros, mas com quem Luiz Gonzaga, Dominguinhos e outros gigantes do forró pé de serra gravaram, porque a música, a arte, não se restringe a um rótulo, e assim sendo não faz sentido que o Forró se restrinja apenas ao famoso trio “sanfona, zabumba e triângulo”. Gravar com artistas de outros gêneros ampliou o alcance do forró. Um dos fatores que fez Gonzagão ser gigante era sua forma de aglutinar, para dividir com os seus, nordestinos. Dominguinhos em sua sabedoria fazia o mesmo. Se tivessem vivos, aposto que gravariam um “feat” – ou parceria, com João Gomes e Tarcísio do Acordeon. Um som que eu gostaria de ouvir.

Eles não estão mais aqui, mas nós estamos. O Piseiro já se conecta com o forró, e nós, forrozeiros, estamos nos conectando com essa identidade musical nova?

Isso é o que ainda não aprendemos com Gonzagão. Mas ainda há tempo!

*Preta Barros é DJ de forró, jornalista e pesquisadora de forró e ritmos nordestinos e nortistas. Escreve quinzenalmente para o São João na Bahia, e se apresenta junto do @forrosound em Salvador e outras cidades pela Bahia e pelo Brasil.

(Válido ressaltar que acolher e afirmar o piseiro como ritmo do forró não significa fechar os olhos para as  condutas criminosas de alguns de seus expoentes, como agressores de mulheres. O Forró trata de letras de duplo sentido, mas não acolhe letras explícitas. No forró, se fala de amor com respeito, sem baixarias).

 

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