Gabriel Carvalho*
Os quase 10 milhões de internautas que acompanharam a live de Wesley Safadão e Xand Avião acenderam um novo alerta no mercado fonográfico nacional. Queira o segmento raiz ou não admiti-los como forrozeiros, a junção dos dois artistas colocou o forró num novo patamar na conjuntura atual da Música Popular Brasileira.
A apresentação compartilhada entre os dois cantores foi viabilizada pela Ambev, que iniciou um projeto chamado Skol Forró, que visa colocar o mais nordestino dos ritmos num nível comercial mais agressivo.
A ação renacionaliza um segmento que é amado pelos nordestinos desde os anos 1930, quando Luiz Gonzaga resolveu se aventurar com uma sanfona pelas noites cariocas, no centro do Rio de Janeiro.
Aliás, o forró, que é soberano no Nordeste, vive altos e baixos ao longo da história. Nos seus primeiros 40 anos, o ritmo esteve vinculado à realidade regional, com letras abordando problemas sociais como a seca e o Êxodo para o Sudeste.
Nos anos 1970, o Trio Nordestino deu o primeiro gatilho e representou a primeira mudança de rumo dos forrozeiros, quando trouxe novidades para a cena musical. Lindú, Cobrinha e Coroné ganharam o Brasil e se apresentaram em rede nacional, assim como Dominguinhos, Marinês, Genival Lacerda e outros nomes.
Na década seguinte, o forró se dividiu em dois caminhos: o das canções de duplo sentido, que teve como ícones o alagoano Sandro Becker e a sergipana Clemilda e dos forrozeiros raiz como o já veterano Gonzagão, que inovou ao gravar com os jovens da época como Elba Ramalho, Fagner e muitos outros, além de Dominguinhos, que colocou o forró na abertura da novela de maior sucesso do Brasil à época, “Roque Santeiro”, com o hit “Isso aqui tá bom demais”.
A partir dos anos 1990 e início da década de 2000, os forrozeiros experimentaram um momento ímpar. Os raiz continuaram presentes no cenário musical, mas surge, a partir daí, a versão estilizada do ritmo, com a inserção de elementos como bateria, guitarra e a metaleira, composta por instrumentos de sopro, que se tornam comuns após o experimento bem sucedido de Jorge de Altinho. E é exatamente nesse período que surgem as bandas que mudariam para sempre a história do forró como Mastruz com Leite, no Ceará, Magnificos, na Paraíba, Calcinha Preta, em Sergipe e Limão com Mel, em Pernambuco.
Essa explosão fez com que em cada esquina do Nordeste nascesse uma banda de forró com uma pegada romântica. Neste período, Emanuel Gurgel, proprietário do Grupo Mastruz com Leite, adotou uma agressiva estratégia de comunicação, que passava pela proliferação, em todo o Brasil, de emissoras afiliadas da Somzoom Sat, uma rádio que tocava forró 24 horas por dia. Em outro flanco, ele popularizou a venda de CDs com uma gravadora que distribuía os discos com preços mais acessíveis e contemplava algumas dezenas de bandas. De 1997 a 2004, houve uma avalanche de CDs de forró ao vivo lançados no mercado, que na década seguinte se transformaram em DVDs. Neste mesmo período, artistas como Flávio José, Alcymar Monteiro e Santanna, o Cantador, explodem em popularidade Nordeste a dentro.
Na Bahia, Adelmario Coelho se consolidava como um dos principais artistas do Estado, quando resolve regravar os grandes sucessos do Trio Nordestino. Num só movimento, ele pegou um público que estava com saudade de Lindú, Cobrinha e Coroné e também outro mais jovem que conhecia o trio apenas de ouvir falar. No esteio da massificação do chamado Forró Universitário, capitaneado por Falamansa e Rastapé, a banda Estakazero também se projeta para um público ainda mais jovem.
Nos anos de 2005 a 2010, surgem nomes fortes no mercado forrozeiro como Aviões do Forró, Wesley Safadão e Dorgival Dantas, que passam a ditar o ritmo na parte de cima do Nordeste. No entanto, o separatismo empresarial e musical dos vários artistas e estilos deixam o forró isolado e de fora da mídia nacional, cabendo os poucos espaços somente a uns raros protagonistas.
Sem muita novidade na década seguinte, o forró passa a perder terreno para o sertanejo, principalmente no Nordeste. Tal movimento faz com que artistas originários do ritmo como o próprio Safadão e as irmãs Simone e Simária migrassem para o sertanejo que se tornou a vertente musical mais popular do Brasil. Aliás, a transferência desses e outros artistas se deu também pelo fato de eles nunca terem sido aceitos pelos forrozeiros raiz.
Agora, com a pandemia, o forró parece ter horizontes com dias melhores, pois há um sinal de trégua entre os tradicionais e os ditos estilizados. A união dos estilos, tão cantada em verso e prosa, mas nunca colocada em prática, pode estar mais perto da concretização.
Aí é que entra a ação da Ambev, ao criar a plataforma Skol Forró. Alguém um dia já imaginou ver Xand Avião e Safadão juntos no mesmo palco? Sinais foram dados nos anos 1990, quando o Mastruz com Leite gravou discos com canções de Jackson do Pandeiro, Dominguinhos e Luiz Gonzaga. Mas agora o projeto é mais audacioso e com certeza poderemos ver misturados Flávio José, Xand Avião, Alcymar Monteiro, Mastruz com Leite, Fulô de Mandacaru, dentre outros.
* Gabriel Carvalho é jornalista, publicitário e apaixonado por forró